Mas e o Batman, hein? É fascista mesmo?
Ok, bait à parte, não, ele não é fascista. Talvez não. Será? O foco aqui será o filme The Batman, dirigido por Matt Reeves e estrelado por Robert Pattinson. Nesse filme, uma verdadeira obra de arte, Reeves sabe muito bem onde está se metendo e principalmente os assuntos que ele usa o morcegão pra abordar. O principal deles: a atual extrema direita.
Mas vamos por parte.
O argumento inicial de quem o acusa de fascista é que, embora Bruce Wayne seja extremamente rico, ele não usa esse dinheiro para resolver a segurança de Gothan. Ao invés disso, ele se veste de preto e enfrenta o crime na mão. Pois é, Batman não usa armas por se achar melhor do que os criminosos que enfrenta. No entanto, ele passa por cima da lei e espanca muitos criminosos até a beira da morte. Batman é a vingança. Não apenas do homem que perdeu os pais, mas de toda uma sociedade que se sente indefesa, cansada da violência e repleta de desejos vingativos contra as classes mais baixas.
Existe no Batman um certo tesão pela violência. Seria mais efetivo usar o dinheiro para investir em educação, na polícia local, em políticas públicas. Mas ele prefere estar pessoalmente encarnando o desejo de poder do tal “cidadão de bem” que está sempre por aí repetindo a frase “bandido bom é bandido morto”. Embora ele não mate ninguém porque, só para frisar bem, ele se acha melhor do que aqueles que enfrenta.
Embora o personagem, em sua essência, não seja de fato fascista, é inegável que ele é uma catarse para esse público. Os filmes do Batman costumam ser acríticos nesse sentido. Na verdade, quase todos são, exceto o último, dirigido pelo Matt Reeves.
Já o Batman de Zack Snyder, por sua vez, é uma versão totalmente diferente. O personagem não apenas mata, mas também tem prazer em torturar os criminosos. O que reforçou ainda mais esse estereótipo fascista. Zack Snyder até mesmo criticou a “regra” do Batman não poder matar. Para ele, isso torna o personagem irrelevante. Sabe quem respondeu o Snyder? Grant Morrison, roteirista de quadrinhos que já trabalhou inúmeras vezes com o personagem. Segundo Morrison, “o fato do Batman se colocar em perigo todas as noites, mas se recusar firmemente a assassinar, é um elemento essencial da magnífica, horrenda e infantil psicose do personagem”. Até porque, seguindo a lógica do universo do personagem, “se Batman matasse seus inimigos, ele seria o Coringa, e o Comissário Gordon teria que prendê-lo!”
Mas afinal, como Matt Reeves aborda esse assunto?
Robert Pattinson interpreta um Bruce Wayne igualmente atormentado pela morte dos pais e disposto a buscar vingança. Ele é, literalmente, a encarnação da Vingança. Ele usa a tortura psicológica para amedrontar seus inimigos. Só de olhar para as sombras e imaginar que talvez o Batman esteja lá, um bandido já se treme de medo. Ele é um herói violento, amedrontador, tudo o que poderia satisfazer os desejos de poder de um certo público nerd. No entanto, logo no início do filme, Matt Reeves já quebra isso tudo.
Bruce admite que, mesmo após dois anos de atuação em Gothan, ele não fez diferença alguma. Pelo contrário, a criminalidade só aumentou e até mesmo o “cidadão de bem”, aquele civil comum e supostamente honesto, também tem medo dele. Matt Reeves joga na cara do público que esse método do Batman realmente não funciona.
Estou usando o termo “cidadão de bem” por motivos óbvios. Evoca na sua mente todo um discurso já pronto e tão repetido por uma parte específica da população. Parte essa que o filme pretende criticar. Outro bordão comum é o termo “família tradicional”, e esse é bastante usado no filme. Principalmente quando os personagens descobrem que o tal político conservador e “de família” frequenta lugares que o cristão comum não aprovaria.
Ao longo do filme Batman percebe o quão playboy é o Bruce Wayne e o quão distante da realidade ele está. Não só isso, percebe que toda sua violência não apenas foi em vão, como também acabou construindo o que viria a ser o vilão do filme. Afinal, o Charada aqui é apenas outro personagem atormentado com o passado e buscando vingança. Não apenas uma vingança pessoal. O vilão, assim como o protagonista, também busca vingar toda a sociedade.
Matar políticos é, para ele, uma forma de livrar a sociedade do mal. E convenhamos, tem muita gente por aí que concorda com esse vilão. Isso me leva a pensar o motivo desse filme não ter feito tanto sucesso quanto os anteriores. Veja, se antes tínhamos Batman espancando e atirando em criminosos até a morte, ou mesmo os torturando para salvar a população em uma catarse de violência, agora nós temos um homem tímido, emo, que reflete sobre seus medos, repensa suas atitudes e no final… se torna um símbolo de esperança.
Assim como o sucesso de Death Note é também pelo fato do público concordar com o Kira ao invés de questionar suas ações, normalmente esse público gosta de ver a agressão direcionada a alguém que eles julgam merecer. Em The Batman quem o faz é o vilão, não o herói.
A organização do vilão, por sinal, é feita de uma forma bem parecida com os atuais Incels. Grupos escondidos na internet, homens revoltados e um cara que age como Messias, direcionando o ódio dessas pessoas. O que na vida real acaba direcionado em colégios, no filme Matt Reeves retrata homens adultos e seu ódio pela política, independente de quem seja. Em determinado momento, no final do filme, um dos minions do Charada se chama de “a Vingança”, tal qual o herói da história.
A figura do herói e do vilão se confundem aqui. Ambos estão lutando contra a corrupção, a violência, a decadência moral da cidade. Mas um deles reúne um exército armado e faz o caos na cidade. Pra muita gente é aceitável que, para se fazer o bem, seja necessário sacrificar umas vidas inocentes, talvez até mesmo causar uma guerra civil. Afinal, “não se faz uma omelete sem quebrar alguns ovos”, não é mesmo?
Mas o outro lado dessa moeda não pensa assim. O único momento em que o Batman pega uma arma é pra usar de porrete contra os minions incels. No final do filme, ao contrário daqueles que se sentem confortáveis em sacrificar outras vidas pelo bem da sua própria, Batman está pronto para se sacrificar por Gothan.
Ele salva a vida dos inocentes em uma imagem quase messiânica, onde aparece iluminado, guiando as pessoas na direção da salvação. Como se não bastasse, ele termina o filme agindo não mais na escuridão, mas na luz do dia. Ajudando os bombeiros no resgate de civis. E encerra dizendo que causou um efeito na cidade, mas não o que ele pretendia. “Vingança não vai mudar o passado. Nem o meu, nem o de ninguém. Eu preciso me tornar mais. As pessoas precisam de esperança.”
O mesmo homem que antes pretendia agir pelo medo, agora está disposto a trazer sentimentos positivos para os cidadãos de Gothan. Não à toa, o público que adorava os antigos filmes do Batman, especialmente a versão do Snyder (a mesma galera que concorda com Kira de Death Note) talvez tenha se identificado com o Charada e, portanto, odiado o filme.
Agora… sobre a pergunta, Batman é mesmo fascista? A minha resposta é: isso importa? Cada quadrinista e diretor vai ter sua interpretação do personagem, assim como cada leitor vai ter sua própria visão do mesmo. A interpretação de Matt Reeves é bem clara, mas e pra você?
O que o Batman representa?